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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Euclides da Cunha: in memoriam

“A verdadeira arte da memória é a arte da atenção”
(Samuel Johnson)

Figura 1: Euclides vestindo terno de risca-de-giz. Lorena, 1903. (Reprod. De O Estado de São Paulo, SP, 17 ago. 1909. Disponível em www.euclides.site.br.com)

Matemático; Escritor; Sociólogo; Repórter jornalístico; Historiador; Geógrafo; Engenheiro; Herói Republicano; Positivista; Aluno de Benjamin Constant; Autor de uma das obras primas de nossa literatura – Os Sertões –; Membro da Academia Brasileira de Letras. Essa é a síntese de uma das mais admiráveis e espetaculares biografias: a do brasileiro Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha. Nascido no município serrano de Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 20 de Janeiro de 1866, Euclides traçou um caminho insólito, repleto de conquistas, vitórias, reconhecimento, homenagens, desilusões e tragédias. A vida do “gênio infeliz” teve como desfecho um duelo mortal com o jovem cadete Dilermando de Assis, amante de sua esposa, Anna Emília Ribeiro – afilhada do Barão de Rio Branco e Filha do Major Frederico Solon Sampaio Ribeiro, que entrou na história brasileira por ser o portador da mensagem do Marechal Deodoro da Fonseca a D. Pedro II, comunicando-o da proclamação da República –.

Porém, o que poucos sabem é que, de dezembro de 1901 a dezembro de 1903, o quieto remanso de Lorena participou dessa história (1). Francisco Sodero Toledo nos conta que Euclides da Cunha veio para o Vale do Paraíba como Engenheiro-Chefe do 2º Distrito de Obras Públicas, com sede em Guaratinguetá, preferindo fixar residência na cidade de Lorena, "onde os filhos poderiam encontrar boa educação e ensino". (Gama Rodrigues, 1952, p. 6). A primeira residência ficava na casa do Coronel Vicente Barreiros, no antigo solar do Barão de Castro Lima. A segunda (Figura 2), arranjada pelo Dr. Arnolfo Azevedo, ficava na rua 15 de novembro, antiga Princesa Imperial, atual Dom Bosco, próximo à estação da Estrada de Ferro, a menos de 50 metros do famoso Colégio São Joaquim dos Padres Salesianos. Ali passou a residir com a família: a esposa Ana Ribeiro e os filhos menores: Sólon, então com 11 anos, Euclides com 9, e Manoel Afonso, com pouco mais de um ano, nascido em São José do Rio Pardo.

Apesar da curta passagem por Lorena, Euclides realizou inúmeras obras de engenharia em toda a região, dentre elas a Ponte Nova sobre o Rio Paraíba do Sul (Figura 3). No entanto, os anos em que ele e sua família conviveram com os lorenenses podem ser considerados os mais importantes para a literatura euclidiana. Ao final do ano de 1902 era lançada a primeira edição de "Os Sertões". Em 1903, com apenas 37 anos era conhecido como um dos grandes escritores do Brasil. Torna-se sócio do Instituto Historiográfico e Geográfico em maio; Em julho foi lançada a segunda edição de seu livro; Em setembro torna-se membro da Academia Brasileira de Letras. Sodero ainda diz que, com isto, ampliaram-se as andanças pela região do Vale do Paraíba e para a cidade do Rio de Janeiro, onde em novembro toma posse na sua cadeira no Instituto. Ao final deste ano já era um escritor consagrado, pedindo demissão da Superintendência de Obras Públicas de São Paulo.

Figura 2: Casa onde morou Euclides da Cunha em Lorena, na Rua Dom Bosco - 435, em frente a sede dos Correios. (Foto: Eduardo Venanzoni, 28 de Janeiro de 2009)

Figura 3: Ponte Metálica sobre o Rio Paraíba do Sul. Estrada de Ferro Lorena – Piquete. Lorena –SP. (Coleção Sala “Euclides da Cunha”, UNISAL. Disponível em www.euclides.site.br.com)

Euclides da Cunha, como expõe seu contemporâneo Gama Rodrigues (1952), realizou todo este trabalho de correção e revisão dos originais de “Os Sertões” em Lorena - na casa da Rua Dom Bosco - sobre a sua "mesa-secretária" (figura 4), na esperança, como revelou a Euclides Rosa, tipógrafo lorenense ao lhe mostrar as provas tipográficas: "você só entende de números, mas isto que aqui está, ainda de há de render-me uma estátua".

Como toda a gente sabe, a esperança de Euclides era sensata. Em nossa cidade, como em tantas outras, diversos tributos sempre foram prestados a esse grande homem de sentimento público e idealista. Citamos, no centenário de sua morte, a recém instalada, e já ilustre, Academia de Letras de Lorena, muito bem presidida pelo Professor Nelson Pesciotta, que o homenageou como seu Patrono. Outro exemplo é a “Sala Euclides da Cunha” (figura 5), criada em 1952 - primeiro ano de funcionamento da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena – que contém várias obras do autor e numerosos objetos de seu uso pessoal, inclusive sua "mesa-secretária" onde o escritor refez, aperfeiçoou sua obra máxima, em inúmeros trechos, até atingir a sua forma definitiva.

Figura 4: Escrivaninha de Euclides em Lorena, São Paulo [1902-3]. Coleção “Sala Euclides da Cunha”, UNISAL. Fotografia inédita em livros e periódicos (2). Disponível em www.euclides.site.br.com

Figura 5: Sala Euclidiana, localizada no Centro Universitário Salesiano (UNISAL). Foto: Andréia Marcondes.

Porém, o que nos preocupa é o descaso do Executivo Municipal com a preservação da memória e do legado desse grande brasileiro. Fato esse que tem uma pequena amostra na, quase total, ausência de representantes do Governo local na cerimônia de inauguração da Academia, ocorrida no último 16 de agosto. Outro exemplo, talvez mais grave, é a supressão do monumento situado em frente à residência histórica, na Rua Dom Bosco (Figura 6). Nesse sentido, apoiamos o requerimento nº 132/2009, de autoria do vereador Élcio Vieira Júnior (PV), que pede explicações do Prefeito sobre o desaparecimento da “estátua” profetizada pelo próprio Euclides ao tipógrafo lorenense.

O que sabemos é que esse monumento foi retirado devido as obras de demolição da passarela sobre a via férrea, em meados do ano passado. No Memorial Descritivo, realizado pela MHS Engenharia e Consultoria LTDA, que orientou tecnicamente os serviços, consta que a recomendação era verificar a necessidade de proteção ou remoção do monumento para outra localidade. Perguntamos ao Executivo, então, unindo-nos ao presidente da Câmara, qual foi essa localidade?

Figura 6: Detalhe do monumento na Rua Dom Bosco. (Memorial Descritivo MHS, Junho de 2007, p. 29)

Figura 7: Muro da praça em frente a residência onde Euclides da Cunha morou em Lorena. Detalhe para o espaço destinado à fixação do monumento. (Foto: Eduardo Venanzoni, 28 de Janeiro de 2009)

O maior problema é que esse descaso do Poder Público resulta na perda da memória coletiva, tão importante para a identidade de um povo. Um pedaço dessa memória de Euclides da Cunha foi, no passado, literalmente arrancada do espaço urbano lorenense: A grandiosa Figueira, situada nas margens da então Estrada Geral, atual entroncamento das Avenidas Peixoto de Castro e Major Rodrigo Luiz (Figura 8). Classificada por Gama Rodrigues como “a mais célebre e notável das belas e numerosas árvores que enfloram a cidade de Lorena” (Gens Lorenensis, p. 37), ela é citada por Euclides, em cartão enviado a Lúcio de Mendonça, com os dizeres “Esta figueira é minha.” Em 1956, assim Gama Rodrigues escreveu: “Hoje, em pequena praça lindamente estilizada, logo na entrada da cidade, a velha figueira ostenta o seu vulto majestoso e secular, com o dístico votivo, mandado colocar pela Prefeitura Municipal: - Figueira de Euclides da Cunha –". Cabe então, à atual administração, quando realizar um novo projeto viário para essa área, considerar o replantio de uma Figueira ou a instalação de algum marco que simbolize a mesma, a identificando com os mesmos dizeres da década de 50.

Figura 8: Cartão de Euclides a Lúcio de Mendonça, 26 out. 1903. Coleção Sala “Euclides da Cunha”, UNISAL. Embaixo da foto lê-se o seguinte: São Paulo — Figueira brava (Lorena). Esta figueira é minha , minha sim, em Lorena. Não é admirável? Pelo menos pretexto para… muitas saudades e cumprimentos, quem é, cordialmente, Euclydes da Cunha. 26 –10– 903.
(disponível em www.euclides.site.br.com).

Por fim, A Mocidade de Lorena pede ao Poder Público que dê o reconhecimento merecido à obra, à memória e à respeitável passagem de Euclides da Cunha por nossa cidade. Não há dúvida de que Lorena teve grande importância na vida desse valoroso homem, importância essa destacada, como se fosse proposital, pelo destino. O acaso quis, com o capricho da sincronia do tempo e do espaço, que Euclides viesse a morrer, em busca da honra e da dignidade, no dia 15 de agosto de 1909, coincidindo com a data da padroeira dos lorenenses, Nossa Senhora da Piedade. Mais que isso, Piedade foi justamente como ficou conhecida tal tragédia, por estar nesse bairro, no Rio de Janeiro, a residência quer serviu de ninho dos amantes, Dilermando e Anna, para onde, percorrendo a Estrada Real de Santa Cruz, Euclides rumou empunhando um revolver calibre 32, com o propósito de matar ou morrer. Porém, o amante de sua esposa, campeão de tiro, respondeu as suas ofensivas com dois balaços certeiros no peito.

Figura 9: O duelo (Charge de A Manhã). Disponível em www.nossosemiarido.blogspot.com/2009_08_01_archive.html

Outra grande coincidência se faz presente na passagem em que Euclides adota Ludgero Prestes, o “Jaguncinho” trazido de Canudos, dois dias antes do fim da guerra. O menino foi entregue a ele pelo General Artur Oscar, comandante da última expedição militar. Euclides, então, trouxe a criança, órfã e com sete anos, para São Paulo, delegando a tutela ao amigo Gabriel Prestes, importante educador paulista - diretor da Escola Normal Caetano de Campos -. Acontece que em Lorena existe a Escola Gabriel Prestes, o mais antigo grupo escolar público da cidade, instalado em um prédio projetado pelo engenheiro Euclides da Cunha, na época em que esteve trabalhando no Vale do Paraíba. Simplesmente incrível!

Notas
(1) Carta enviada ao amigo Escobar, datada do dia 25 de dezembro de 1901. “Meu caro amigo Escobar, saúdo-te. Respondo a tua carta de 23 agradavelmente recebida neste quieto remanso de Lorena – onde está armada a minha tenda, provisória sempre”. Correspondências de Euclides da Cunha, página 128. Walnice Nogueira Galvão e Oswaldo Galotti. EDUSP.
(2) “A mesa foi utilizada por Euclides em seu gabinete de trabalho na Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo. Foi doada à Sala pelo governador Jânio Quadros”. (Olga de Sá, Chefe de operários e homem de Letras, In: José Luiz Pasin [org.], O outro Euclides, pp. 144-5). Segundo José Geraldo Evangelista, Jânio Quadros estudou no Colégio São Joaquim em Lorena quando tinha 15 anos (Retalhos históricos de Lorena, página 61)


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Eduardo Venanzoni para A Mocidade de Lorena

Fontes bibliográficas e de pesquisa

-Antônio Gama Rodrigues. Dr. A. Euclides da Cunha em Lorena (1902-1903). Lorena, São Paulo: F.S.F.C.L. de Lorena, 1952, em Francisco Sodero Toledo. Euclides da cunha no Vale do Paraíba (1901-1903). Disponível em www.valedoparaiba.com/terragente/artigos/art0162001.html
-Antônio da Gama Rodrigues. Gens Lorenensis – Do Sertão de Guaypacaré à Formosa Cidade de Lorena. Coleção Lorenense Vol. VI. Sociedade dos amigos da cultura de Lorena.
-Francisco Sodero Toledo. Euclides da Cunha e os Salesianos em Lorena. Disponível em www.valedoparaiba.com/terragente/artigos/art0172001.html
-José Geraldo Evangelista. Retalhos Históricos de Lorena. Coleção Lorenense Volume V. Sociedade dos Amigos da Cultura de Lorena.
-Projeto Euclides da Cunha. Centro UNISAL - Lorena e Instituto de Estudos Valeparaibano. 2004.
-Rodolpho José Del Guerra. O filho de Euclides da Cunha. Disponível em www.fotolog.terra.com.br/navprog:3139

4 comentários:

  1. Parabéns pela iniciativa: realmente é preciso que a história de nossa cidade seja preservada,para que nós e as gerações futuras possam melhor disflutar da história e tradições de nossa querida lorena.

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  2. Bela postagem!Parabéns!!!
    Além de preservar a História é preciso resgatá-la sempre.Pois, a passagem de Euclides da Cunha foi um marco importante em nossa cidade deixando um legado indispensável.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Parabéns! É importante resgatar e compreender a história pois a presença de Euclides da Cunha em Lorena foi muito expressiva e até mesmo providencial pelas coincidências incrivéis.

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