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domingo, 18 de setembro de 2011

A natureza na cidade: um direito ou um produto?

Somos uma sociedade urbana. No Vale do Paraíba, por exemplo, apenas 6% das pessoas ainda vivem no campo. Assim, na medida em que há o aumento da população, as cidades também precisam expandir os seus limites, afinal, a habitação é uma necessidade básica de todo ser humano. É inevitável que esse processo de expansão gere impactos ao meio ambiente. O ato de construir cidade, seja pelo loteamento de uma gleba ou pela edificação em um lote, abrange a modificação da paisagem natural, inclusive da vegetação existente. Porém, a ocupação humana deve sempre ser feita de forma racional, a fim de causar prejuízos mínimos ao ecossistema. Nesse contexto, a arborização urbana se apresenta como uma das formas de equilibrar os danos causados à natureza, reinserindo o “verde” no espaço construído.

Ao longo da história das civilizações, a necessidade de contato com a natureza sempre se mostrou presente para os citadinos. Porém, a partir da Revolução Industrial na Europa, a inserção – ou reinserção – da vegetação no espaço urbano deixou de ser apenas um meio de ornamentação estética, para atender outras finalidades. Com a industrialização, cidades experimentaram o caos provocado pelo rápido e desordenado crescimento. Os graves problemas estimularam a busca por novos modelos de ocupação do território. Dessa forma, projetos de urbanização passaram a considerar, de forma sistemática, a criação e manutenção de áreas livres, arborizadas, quase como uma reação à vida cada vez mais urbana, marcada pelo avanço industrial.

Institui-se, então, um paradoxo: Para se fazer cidade, a vegetação natural é deixada em segundo plano, suprimida, se preciso for. Porém, a mesma é posteriormente reinserida, como fonte de recuperação das energias perdidas no cotidiano rápido e estressante da cidade. Essa reinserção é feita de diferentes formas. Pode ser realizada individualmente, com a adoção do uso de quintais ou jardins nas residências, assim como de maneira institucionalizada, com a implantação de praças, parques e arborização nas vias de circulação. Habitualmente, essas últimas são generalizadas como “áreas verdes”.

De fato, a arborização urbana gera vários benefícios à população. Sob o ponto de vista ecológico, a presença de áreas verdes nas cidades tem a função de higienização do ar, uma vez que as árvores, para crescerem, absorvem da atmosfera, gás carbônico - substância tóxica, liberada pela queima de combustíveis fósseis, tanto nas indústrias como nos automóveis. Além disso, proporcionam sombra e frescor, importante para cidades tropicais de climas quentes, como as valeparaibanas, pois amenizam os efeitos da radiação solar e controlam a umidade relativa do ar, ou seja, suavizam temperaturas extremas e a sensação de calor. Ademais, entre outros, contribuem para a permeabilidade do solo, favorecendo a drenagem urbana; atenuam a poluição sonora, servindo como barreira acústica e; atraem aves, promovendo a biodiversidade.

No aspecto social, as áreas verdes cumprem a função urbanística de oferecer lugares apropriados para o lazer (repouso) e para a recreação (divertimento e esporte). Esses lugares, por excelência, são as praças e os parques, destinados a reconstituição da tranquilidade e a recomposição do temperamento dos cidadãos. Já no âmbito da estética, promovem a integração entre o espaço construído e natural, quebrando a monotonia da paisagem das cidades, ou seja, as embelezam, servindo como ornamento frente às estruturas permanentes dos edifícios.

Com todas essas vantagens, a arborização contribui para valorização das propriedades ao entorno. No entanto, reside nesse aspecto uma questão delicada: a natureza na cidade tratada como produto de mercado. Sabe-se que a propriedade urbana contém uma função social, que é a de prover o direito de moradia, essencial aos cidadãos. Porém, a mesma propriedade atende a uma função econômica. Assim, para todo imóvel urbano há um preço, que não é taxado simplesmente pelos seus próprios atributos, mas também por aquilo que existe ao seu redor. Dessa forma, imóveis localizados em bairros com praças e vias arborizadas, próximo de parques – ecológicos ou esportivos -, tendem a ser mais caros que aqueles situados em bairros desprovidos de “verde”.

Essa diferenciação entre áreas dentro de uma mesma cidade, obviamente, interessa aos empreendedores imobiliários, que podem obter maiores lucros nos negócios a partir da oferta de produtos diferenciados ou até mesmo exclusivos. Como exemplo, basta ver qualquer anúncio de lançamento de condomínio de alto padrão e reparar qual destaque é dado para a existência de áreas verdes, destinadas ao lazer e recreação, privativa dos moradores. (exemplo 1; exemplo 2; exemplo 3; exemplo 4; exemplo 5)

No entanto, segundo a Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo o lazer um dos direitos sociais. Logo, compete aos municípios garantir o bem-estar de seus habitantes, o que inclui as questões ligadas à oferta de áreas verdes, ou seja, na implantação de praças e parques e na arborização das vias públicas. Assim, a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a igualdade no acesso à natureza e aos equipamentos de recreação e lazer, anulando as diferenças, que favorecem ao capital privado.

WENDEL (2004) cita que é preciso que a natureza na cidade seja para e de todos, independentemente do poder aquisitivo, devendo os projetos ser norteados por um direito igualitário, que impeça a manutenção de espaços segregados com a presença de natureza, como objeto de consumo para classes economicamente mais abastadas, enquanto nos bairros excluídos observa-se a natureza relegada “ao mato” ou “as enchentes” e, em muitos lugares, a total falta de qualquer natureza.

E como alcançar essa equidade? Exigindo que o Governo Municipal exerça sua função de: Controlar a ocupação e uso do solo urbano; Fazer cumprir o respeito à legislação ambiental; Realizar a manutenção constante das praças e parques públicos existentes; Construir novas praças, sobretudo em bairros que não possuem ao menos uma - Existem áreas públicas exclusivas para isso, fruto de doação exigida por lei em cada projeto de loteamento; Para aqueles bairros que não possuem praça e nem área pública destinada para implantação de uma, desapropriar terrenos particulares para tal fim; Planejar a criação de parques públicos, composto por áreas verdes atreladas a áreas de recreação e lazer, em número suficiente para atender todos os habitantes da cidade e; Orientar o plantio e o cultivo de árvores, principalmente nas vias públicas, por meio da elaboração e aplicação de um Plano Participativo de Arborização Urbana, em parceria com a população, de modo a incentivar a cultura dos sentimentos de coletividade e de pertencimento.

Por fim, a expansão urbana, quando não planejada e controlada pelo Poder Público, contribui negativamente para qualidade de vida da população, uma vez que os fatores sócio-ambientais, no embate frente aos fatores econômicos, tendem a ficar em segundo plano. Como consequência, tem-se a perda da qualidade paisagística, a modificação do clima urbano, a piora nos quadros de saúde da população, entre outros. Devemos, então, também nesse aspecto, evitar que o interesse público seja sobreposto pelo interesse privado, lutando pela criação e manutenção de áreas verdes, de uso comum do povo, tendo em vista que essas são imprescindíveis para o bem estar, físico e mental, de todos os habitantes.


Referência bibliográfica:

WENDEL, H. O direito à natureza na cidade: Ideologias e práticas na história. Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2004. 209p.

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Eduardo Venanzoni *

* O autor é lorenense e está concluindo o curso de arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – FCT/UNESP.

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